cantos

O canto é parte da prática do Ashtanga Yoga, seja de mantras, seja dos Yoga Sutras de Patañjali. Entoados em sânscrito, língua em que foram concebidos, os cantos têm natureza transformadora para o corpo e a mente de quem canta. Ao entoar os cantos de forma correta, seguindo a fonética sânscrita, a pessoa se beneficia dos efeitos sutis da vibração das sílabas nos corpos físico e etéreo. A emanação das vibrações do canto também promove mudanças no ambiente e em quem ouve; portanto, cante com presença e perceba a diferença.  

Sânscrito

O sânscrito é uma língua da Índia antiga com mais de 3.500 anos de história, de matriz indo-ariana, cujos documentos mais antigos são os Vedas (sendo o Rigveda a primeira composição). A literatura sânscrita engloba uma rica tradição de textos sobre filosofia e religião, bem como poesia, música, drama e ciência. Em seus primórdios, as composições sânscritas eram transmitidas oralmente, por meio de complexos métodos de memorização.  As inscrições mais antigas, encontradas em Ayodhya (Uttar Pradesh) e Ghosundhi-Hathibada (Rajastão), datam do século I a.C. É a língua na qual foi escrita a maior parte dos trabalhos da filosofia hindu e alguns dos principais textos budistas e jainistas. É língua cerimonial e ritualística em práticas hinduístas e algumas práticas budistas, usada em hinos (strotam) ou cantos (mantras) por exemplo.

Quem vivencia o Yoga deve se familiarizar com o sânscrito como língua da prática e estudá-lo sem medo. Hoje há cursos presenciais e online e matérias de acesso gratuito que difundem e democratizam o aprendizado do Sânscrito por meio de textos tradicionais (Vedas e sutras) e mantras.

Impotância da pronúncia correta

O idioma sânscrito é considerado sagrado pelas tradições de origem hindu, que enfatizam a pureza e o respeito pela língua. É evidente que para pessoas fora deste contexto, as exigências quanto à pronúncia devem ser tomadas como ilustrativas em um primeiro momento. Cada pessoa deve considerar o que faz sentido em sua vivência com a prática do canto dos mantras. O importante é que possa sentir os efeitos do canto, tendo o conhecimento acadêmico e prático como suporte nesse processo.

Segundo a Dra. Pankaja Rajagopal, professora de sânscrito em Bangalore, o idioma é considerado uma língua divina. Seu nome संस्कृतम् (saṃskṛtam) significa “língua refinada”, escrita no alfabeto devanágari (o que é empregado na cidade dos deuses). Cada uma das 44 letras do alfabeto sânscrito tem um som único. Se pronunciadas perfeitamente, um som não pode ser confundido com outro. Nesse sentido, o sânscrito é uma língua perfeitamente fonética, ou seja, a escrita corresponde ao som pronunciado. Pronunciar corretamente as palavras é importante sobretudo no canto de mantras, dada a natureza sutil vibracional que o canto tem sobre nossos corpos físico e psíquico, mesmo que não saibamos o significado.

No meio yogue, é comum que praticantes recitem os mesmos sutras e mantras de formas diferentes. Muitos aprendem com professores na Índia, que muitas vezes, incorporam seu próprio sotaque regional ao entoar textos em sânscrito. 

Para facilitar que o sânscrito seja conhecido mundialmente, houve a transliteração (conversão de um sistema de escrita para outro) do alfabeto devanágari para o romano com o acréscimo de símbolos para cada letra/som. Abaixo você encontra alguns exemplos da transliteração e sua pronúncia.

Veja como pronunciar algumas letras com exemplos cotidianos:

tem som curto. Exemplo: moha (moorra)

ā tem som longo. Exemplo: gurūnāṃ (guruunaam)

u tem som curto. Exemplo: gurūnāṃ (guruunaam)

ū tem som longo. Exemplo: gurūnāṃ (guruunaam)

e tem som longo e fechado como em “veem”. Exemplo: vande (vandee)

o tem som longo e fechado como em “voo”. Exemplo: moha (moorra)

i tem som curto. Exemplo: śāntiḥ (xaanti)

ī tem som longo. Exemplo: mahīṃ (marriim)

v tem som como em “vaso” e às vezes de “w” no inglês “window”. Exemplos: vande (vandee) e svātma (swaatma).

g tem sempre som como em “ga”, “gue”, etc. Exemplo: mārgeṇa (maargueena)

r tem som como em “para”. Exemplo: mārgeṇa (maargueena)

c tem som como em “tchau”. Exemplo: caraṇāravinde (tcharanaavindee)

ś tem som como em “xadrez”. Exemplo: śāntiḥ (xaanti)

t tem sempre som como em “teto”. Exemplo: śāntiḥ (xaanti)

 denota som aspirado breve da vogal anterior. Exemplo: mahīśāḥ (marrixaarra). Também provoca o prolongamento do próximo som consonantal. Exemplo:  lokāḥ samastāḥ sukhino (lokaa sssamastaa sssukinoo) e śāntiḥ śāntiḥ śāntiḥ (xaanti xxxaanti xxxantirr)

j tem som próximo ao que existe no inglês, como em “Jack” (dj). Exemplo: jāṅgalikāyamāne (djaangalikaaiamaanee)

h tem pronúncia aspirada como em “hot-dog”. Exemplos: hālāhala (raalaa rala) e moha (moorra)

Mantras de abertura da prática

A cada nova prática, iniciamos com o canto de dois mantras em sequência. O primeiro saúda os mestres espirituais e o segundo saúda Patañjali. 

​ॐ
वन्दे गुरूणां चरणारविन्दे सन्दर्शितस्वात्मसुखावबोधे ।
निःश्रेयसे जाङ्गलिकायमाने संसारहालाहलमोहशान्त्यै ॥

Oṃ

vande gurūnāṃ caraṇāravinde sandarśita-svātma-sukhāvabodhe |
niḥśreyase jāṅgalikāyamāne saṃsāra-hālāhala-moha-śāntyai ||

Mantra de saudação aos mestres espirituais: Reverencio os pés de lotus dos mestres que despertam a felicidade inerente à percepção do Verdadeiro Ser. Como médicos, eles neutralizam o veneno da ilusão mundana.

आबाहुपुरुषाकारं शङ्खचक्रासिधारिणम् ।
सहस्रशिरसं श्वेतं प्रणमामि पतञ्जलिम् ॥

ābāhu-puruṣākāraṃ śaṅkha-cakrāsi-dhāriṇam |
sahasra-śirasaṃ śvetaṃ praṇamāmi patañjalim ||

Mantra a Patañjali: Reverencio a Patañjali, cuja forma é aparentemente humana até os ombros, que porta o búzio, o disco e a espada em suas mãos e que tem mil cabeças refulgentes.

Mantra de encerramento da prática

Ao terminarmos a prática, nos colocamos de pé e entoamos o Mangala Mantra, o mantra a paz universal.


स्वस्ति प्रजाभ्यः परिपालयन्तां न्यायेन मार्गेण महीं महीशाः ।
गोब्राह्मणेभ्यः शुभमस्तु नित्यं लोकाः समस्ताः सुखिनो भवन्तु ॥
ॐ शान्तिः शान्तिः शान्तिः ।

Oṃ
svasti prajābhyaḥ paripālayantāṃ nyāyena mārgeṇa mahīṃ mahīśāḥ
 |
go-brāhmanebhyaḥ śubham astu nityaṃ lokāḥ samastāḥ sukhino bhavantu ||
Oṃ śāntiḥ śāntiḥ śāntiḥ |  

Que a prosperidade seja glorificada. Que os governantes governem com virtude e justiça. Que a Divindade e a erudição sejam protegidas. Que todos os seres do mundo sejam felizes e prósperos.

Os Yoga Sutras de Patañjali

Além da prática de asanas e pranayamas, o canto dos Yoga Sutras de Patañjali é parte do caminho da prática do Ashtanga Yoga. Seguimos o método tradicional de aprendizado, no qual primeiro aprendemos a entoar os sutras na ordem e pronúncia corretas, repetindo cada parte para que se enraíze em nossa consciência. Posteriormente, aprendemos o significado dos sutras e sua aplicabilidade na prática individual.

A obra de Patañjali está escrita em sutras, linhas de conteúdo sintético, com o menor número de sílabas, com significado límpido, que pode ser percebido de várias formas. Sūtra significa fio, um fio que une diversos assuntos na análise e introdução de um tema específico. Os 196 sutras são divididos em quatro partes:

– Sādhya pāda ou samādhi pāda (O objetivo)

– Sādhana pāda (O meio)

– Vibhuti pāda (As conquistas)

– Kaivalya pāda (A liberação)

Para nós, praticantes humildes no caminho do dharma, o capítulo mais importante é o Sādhana pāda, por tratar dos meios de praticar o controle da mente e assim atingir a libertação das amarras egoicas proposta pelo Yoga.